O mexicano Ignacio Padilla iniciou a carreira atacando os clichês do realismo mágico. Buscava, segundo ele, romper não com a influência dos nomes do primeiro grande boom latino, como Gabriel García Márquez, mas sim com sua diluição por seguidores menos inspirados. Assim nasceram títulos como Amphitryon, que resiste a classificações de gênero e nacionalidade. Situado na Europa do século XX, com elementos das tramas policiais e de espionagem, mas um fundo de investigação filosófica sobre o indivíduo e a história, o livro começa com uma partida de xadrez a bordo de um trem, durante a Primeira Guerra, em que uma inusitada aposta é levada adiante. O vencedor assume o nome do adversário e seu posto como guarda-chaves na linha ferroviária; o perdedor deixa o conforto do cargo burocrático para ingressar, também com uma nova identidade, na sombria frente oriental do Exército austro-húngaro.
O mistério que cerca esse pacto sinistro, com seus antecedentes obscuros e suas conseqüências pelas sete décadas seguintes, conduz uma trama em que nada é o que parece à primeira vista. Numa sucessão de relatos que se complementam e anulam, é descrita uma saga de equívocos e trapaças que resume as contradições políticas e morais de quase um século. Personagens reais e ficcionais se misturam num cenário que passa pelo caos nas trincheiras de 1914, o anti-semitismo na Áustria do entreguerras e a ascensão nazista. Os crimes do século XX estão insinuados em cada ato que praticam: da mentira sobre um braço amputado ao genocídio nas câmaras de gás, o autor mostra a gestação de um mundo de homens ocos, para quem os conceitos de certo e errado são apenas peças de um jogo.
Não à toa, é a lógica do xadrez que rege os movimentos dos personagens, que manipulam o destino com a amoralidade "eficiente" de quem avança ou recua seus cavalos e bispos. Num círculo vicioso em que se alternam lances patéticos e o humor amargo dos desiludidos, todos são arrastados rumo ao que um dos narradores chama "anonimato da loucura". "Há aqui um poder de invenção e uma força imaginativa que distinguem Padilla como um escritor de talento excepcional. Ele é um romancista que consegue desarmar nosso senso de probabilidade e das normas de comportamento, e assim amplia nossa percepção das possibilidades humanas."
The New York Times Book Review